Fonte: http://cazadoresdebiblioteca.blogspot.com.br/2013/07/briquet-lemos-profissao-bibliotecario.html
Achei um blog sobre Biblioteconomia que gostei muito nestas minhas andanças pela internet. Uma postagem em especial chamou a minha atenção. O conteúdo dela era uma entrevista com o bibliotecário Briquet de Lemos
Achei um blog sobre Biblioteconomia que gostei muito nestas minhas andanças pela internet. Uma postagem em especial chamou a minha atenção. O conteúdo dela era uma entrevista com o bibliotecário Briquet de Lemos
O bibliotecário responde nesta entrevista várias questões sobre livros, Biblioteconomia e o profissional bibliotecário. Vamos à entrevista:
1.
Conte-nos onde nasceu, cresceu e como foi a sua relação com a
leitura nos primeiros anos.
Nasci
em Teresina, PI, em 15 de novembro de 1937: celebrava-se a República
e fazia cinco dias que Getúlio Vargas dera o golpe de estado que
implantou a ditadura do chamado Estado Novo. Ou seja, nasci em tempos
de intolerância, perseguições, radicalismos e repressão contra os
que lutavam por um Estado democrático de direito. Vivi em
Teresina até os 12 anos, quando meus pais resolveram mudar-se para o
Rio de Janeiro. Nessa cidade cursei escolas de ensino médio. Fiz o
curso chamado clássico no Colégio Pedro II. Minhas primeiras
lembranças de leitura são de um livro infantil que contava a
história do touro Ferdinando, do autor norte-americano Munro Leaf,
que havia sido editado no Brasil pela Melhoramentos, se não me
engano. A história de um touro pacifista, que preferia flores à
lide no picadeiro. Um livro russo de ficção científica –
Sovietes em Marte, de Alexei Tolstoi. Uma antologia de textos
literários, a célebre Crestomatia, de Radagásio Taborda. Não
foram muitas as leituras nesse período.
2.
Quando você teve acesso a uma biblioteca pela primeira vez?
Em
1953, quando fui admitido como mensageiro (office-boy) do Hospital
dos Servidores do Estado (HSE), do antigo Instituto de Pensões e
Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE), no Rio de Janeiro.
Logo no primeiro dia fui lotado na biblioteca, que era a melhor
biblioteca médica hospitalar naquele momento. As memórias que tenho
de lá permanecem muito fortes até hoje. Os oito anos em que ali
trabalhei foram decisivos para tudo que fiz depois.
3.
O que o motivou a escolher o curso de Biblioteconomia?
Não
posso dizer que eu tenha feito uma escolha consciente. Foi um passo
muito pragmático naquela etapa da vida. A bibliotecária do hospital
(teria sido a Aída Furtado ou a Norma de Oliveira Lima, não me
lembro com precisão) sugeriu-me que fizesse o exame de ingresso para
o curso de biblioteconomia da Biblioteca Nacional, pois lhe parecia
que eu demonstrava, no trabalho, ter jeito para a profissão. Aliás,
ainda me lembro de uma frase que ouvi de um cirurgião, naqueles
dias, quando ajudava no serviço da biblioteca: “The right man
in the right place”. Mas somente fui me convencer que era possível
sobreviver e constituir família, como bibliotecário, quatro anos
depois de formado, quando fui selecionado para ser
bibliotecário/editor do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, da
Organização Pan-Americana da Saúde, em Duque de Caxias, RJ.
4.
De que disciplina mais gostava quando era estudante?
Não
havia uma disciplina da qual gostasse mais. Os professores não
ajudavam muito, embora houvesse alguns luminares no curso. Como eu já
trabalhava em biblioteca, muito daquilo era coisa sabida e que não
merecia minha atenção. O curso era uma passagem obrigatória, mas
que não me parecia uma opção definitiva. História do Livro era
uma disciplina que me atraía, mas o professor, embora um importante
intelectual, se limitava a ler num enorme caderno manuscrito suas
anotações.
5.
Com que tipo de biblioteca tem mais afinidade (escolar, pública,
universitária, especializada, etc).
Por
força de experiência de vida, minha afinidade maior foi com as
bibliotecas especializadas, especialmente na área médica e de
saúde. Em seguida, vêm as bibliotecas universitárias,
principalmente por causa do período em que lecionei na Universidade
de Brasília, quando acompanhei de perto a administração do
professor Elton Volpini, que dirigiu a Biblioteca Central da UnB. Na
ocasião aprendi muito sobre obras raras com o professor Rubens Borba
de Moraes, que era meu colega de departamento, e que me ajudou a
selecionar o núcleo inicial da atual coleção de obras raras da
Biblioteca Central.
6.
Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional.
Já
falei acima de como a carreira se iniciou até minha ida para o
Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. Em 1968, a convite do professor
Edson Nery da Fonseca, eu e minha mulher viemos trabalhar na
Universidade de Brasília. Vim lecionar na Faculdade de
Biblioteconomia e Informação Científica, e ela, que também é
bibliotecária, para dirigir a seção de periódicos da Biblioteca
Central. Por duas vezes a Universidade de Brasília concedeu-me
licença para trabalhar em outros órgãos, primeiro, no Ministério
da Saúde, com a finalidade de organizar seu Centro de Documentação.
Depois, no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (IBICT), para ser seu diretor. Quando me aposentei,
ocupava na Universidade de Brasília o cargo de diretor da Editora
UnB. De 1956 até vir para Brasília fiz vários serviços avulsos de
revisão de textos e tradução. E, depois de vir para Brasília,
ministrei cursos e prestei algumas consultorias em outras
instituições, como na Bireme.
7.
Que conselho daria para uma pessoa que deseja seguir a carreira
bibliotecária?
Perguntar-se
se tem aptidão, se tem interesse, se gosta da convivência humana,
de interagir com as pessoas, de identificar aquilo que procuram,
aquilo que precisam, e ajudá-las nesse processo. Se for alguém que
quer ser bibliotecário porque “gosta de ler”, desaconselho a
seguir a profissão. Além disso, essa pessoa precisará estar
aberta ao mundo exterior, deve ser receptiva às mudanças ao mesmo
tempo em que se preocupa com a história e a identidade cultural de
seu país, de sua cidade, daquilo que constitui seu entorno de
vida. Ser alguém voltado para a cultura em seu sentido mais
amplo e que não vacile em se apropriar e dominar todas as
ferramentas que facilitem seu diálogo com as pessoas que procuram e
usam as bibliotecas. Alguém disposto a reconhecer, estudar e aplicar
a força da língua falada e escrita na comunicação. Alguém que
amplie ao máximo o domínio das línguas estrangeiras mais
importantes.
8.
Em que momento você desmistificou o fazer bibliotecário, haja vista
que a maioria das pessoas ingressa na universidade acreditando que o
ambiente de trabalho está condicionado somente a livros e espaços
de bibliotecas?
Como
disse acima, o fazer bibliotecário chegou-me antes do aprender
bibliotecário. Logo percebi a importância da interação humana, do
convívio onde ocorre uma troca de saberes, e da impermanência das
técnicas. Um dos primeiros trabalhos de que me lembro na biblioteca
do hospital, foi o de mudar nas fichas do catálogo a notação da
Classificação Decimal de Dewey para a da National Library of
Medicine. Notei também a inexistência de lacuna entre a produção
de informações e sua organização e difusão. Que a biblioteca é
parte dinâmica de um esquema maior, que ela não se esgota em si
mesma nem pode viver desligada do mundo. E que o bibliotecário é
muito mais um guia, um orientador e descobridor de conhecimentos –
gosto muito da expressão “pastor de ideias” – do que um
guardião, um custódio dos livros e outros recursos.
9.
Você acha que uma pessoa que escolhe essa profissão tem que gostar
de ler? Justifique sua resposta.
Essa
resposta “sou bibliotecário porque gosto de ler” é tão pueril,
ingênua, quanto qualquer outra que confunda interesses pessoais com
interesses coletivos. Se a resposta ainda fosse “quero ser
bibliotecário porque gosto que TODOS possam ler”, seria razoável.
Quem escolhe a biblioteconomia como profissão tem que gostar de
estudar e ensinar, inclusive ensinar a ler. O gostar de ler é
consequência do processo pelo qual o bibliotecário precisa se
manter permanentemente ligado e atualizado com o mundo da cultura,
dos saberes e das técnicas em seu sentido mais amplo. Se estiver
numa biblioteca pública, onde haja grande demanda por obras
literárias, a leitura que fizer delas será muito importante na
prestação do serviço. Se for numa biblioteca especializada, a
leitura das obras de atualização no campo respectivo, o tornará um
profissional ainda mais útil e respeitado.
10.
Qual a biblioteca mais fantástica que você já visitou e a que
sonha ainda conhecer?
A
do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Sonho
conhecer a Bibliothèque Sainte-Geneviève, em Paris. Apesar de ter
estado em Paris algumas vezes, até hoje não consegui visitá-la...
11.
Dentre os tantos livros que você já leu, cite um e recomende.
Vidas
secas, de Graciliano Ramos. Pela fusão magistral entre o drama
humano e o meio em que se desenrola.
12.
Qual sua opinião sobre o contexto atual da profissão?
É
um contexto de crise e, portanto, de grandes promessas. Não se trata
a meu ver, de uma ameaça a empregos, mas de uma ameaça à própria
função social da biblioteca e do bibliotecário, que somente
sobreviverão, numa escala de tempo de menos de uma geração, se se
reinventarem. E os bibliotecários consequentemente terão de, ao se
reinventar, procurar novas trilhas para percorrer como pastor de
ideias. Detesto fazer futurologia, mas desconfio que as mudanças
estão simplesmente começando.
13.
Como você vê a atuação da biblioteca pública de sua cidade?
Em
Brasília? Muito distante do que deveríamos ter como capital do país
com uma população perto de três milhões de habitantes. Ou seja,
uma situação muito ruim. Também na área das bibliotecas, Brasília
foi moderna apenas no desenho e no discurso de seus criadores.
14.
Há algum bibliotecário (a) que você considera fora de série?
Escolher
entre os vivos é uma tarefa ingrata. Sei que há muitos. Entre os
mortos fica mais fácil: Ramiz Galvão.
15.
Do que mais gosta na sua profissão?
Da
possibilidade de acompanhar o outro na descoberta de conhecimentos,
ideias, saberes e visões de mundo, e da oportunidade de eu também
poder fruir tudo isso.
16.
Fique à vontade para fazer seus comentários finais.
Acho
que não há mais nada a comentar. Mais tarde. Outro dia. Talvez...